domingo, 15 de junho de 2008

Rapto

Um parco raio de luz desperta-a. Abre os olhos. Não sabe onde está. Não sabe o que aconteceu. Lembra-se apenas de se encontrar numa festa. Lembra-se de ter captado o olhar de um rapaz atraente. Lembra-se de ele ter vindo falar com ela. Lembra-se até de lhe ter dado um beijo. Mas depois disso apenas reside escuridão. Trevas. Negro.

Onde está? Não sabe. Foca os olhos, para logo a seguir os contrair. Sente algo na cabeça. Uma dor forte e um cheiro persistente a sangue no seu corpo. Tenta levantar as mãos, mas estas encontram-se presas. Só aí percebe que o espaço se assemelha bastante a uma cave abandonada. Está presa a uma cadeira pelos pés e mãos. Quer gritar, mas não consegue, apesar de a boca se encontrar livre de qualquer mordaça. Não, é a sua garganta que está seca.

Naquela cave apenas existe uma janela no topo, por onde passam os raios da madrugada. A cave está quase toda ela deserta: contém apenas um lavatório velho e algo partido e algumas caixas puídas. E muitas teias de aranha, algumas com o próprio animal pendurado.

Sente dores por todo o corpo. Olha e vê-se coberta de sangue, com diversas nódoas negras. E, pior que isso, o seu vestido de festa encontra-se rasgado ao meio e pendurado melancolicamente nos seus braços.

Procurou tomar atenção aos sons. Não ouvia nada excepto a àgua que pingava do lavatório. Gota a gota a cair no chão metálico da cave.

Pling!

Podia suportar.

Pling!

Não a irritava por aí além.

Pling!

Sentiu vontade de refrescar a garganta.

Pling! Pling! Pling!

Não aguentava mais. Queria parar aquele som insistente. Começou a gritar tanto quanto a sua garganta deixava para o lavatório, esperando que este lhe obedecesse. Mas este não lhe obedeceu.

Apoiou os pés com força no chão e sentiu dor ao aterrar, pois o chão encontra-se repleto de vidros partidos. Tinha de desligar aquela torneira, cujas gotas a levavam à loucura. Usou o que restava das suas forças para se levantar, mas só para depois cair exausta. As gotas continuavam a cair e algo mexeu no seu corpo, fazendo-a abanar-se e gritar tanto quanto conseguia. Estava sozinha naquele sítio. Ninguém a podia ajudar.

Perguntou-se onde estaria, enquanto trauteava uma canção conhecida que ouvira a noite anterior. Tentou recordar-se da cara do rapaz. Por mais que tentasse, não conseguia. Sentiu raiva: tinha a certeza de que aquele desconhecido a quem não perguntara o nome se encontrava de alguma maneira relacionado com a sua situação.

E os seus amigos? E os seus familiares? Estariam preocupados com ela?

Pling! Pling! Pling! Pling!

Rangeu os dentes, enquanto abanava a cabeça. Sentiu de novo dor. Agonia.

Desespero.

Solidão.

Ouviu um estrondo atrás de si e voltou a cabeça. Não viu nada, apenas luz. Não conseguiu abrir os olhos para a luz depois das trevas e voltou-se de novo para a frente. Sentiu tal agonia que teve de se inclinar para a frente. Queria vomitar, mas não conseguia. Não tinha nada no estômago.

Agonia.

Ouve o som de uma porta a fechar atrás de si e a cave mergulha de novo no silêncio. Apenas ouve as gotas do lavatório. Ouve passos, mas mantém a cabeça baixa. Os cabelos molhados pelo suor (ou sangue? Não sabe.) cobrem-lhe a cara. Mantém os olhos fechados.

Os passos param diante dela.

- Bom dia!- diz uma voz masculina.

Levanta a cabeça e abre os olhos sob os cabelos lisos colados à cara, enquanto respira com força. Vê um rapaz familiar.

Sim, é o rapaz da festa.

Que faz ele ali?

Mais do que nunca tem a certeza de que foi ele que a raptou. Sente a fúria associar-se ao desespero, como amigos de longa data que se juntam para se fortalecerem mutuamente. Olha com raiva profunda para o rapaz.

- Bem, pequena, diverti-me contigo, mas acabaram de me confirmar algo!- diz o rapaz.

Espera ansiosamente o que o rapaz tinha para dizer.

- De certo que vais apresentar queixa contra mim... e eu não quero isso!

O rapaz aproxima-se e beija-lhe os lábios. Ela não retribui. O rapaz ri-se e leva uma mão ao bolso. Ouve um estalido familiar, que só tinha ouvido em filmes. Depois, sente algo duro a ser pressionado contra a sua cabeça.

- Adeus!- sussurra o rapaz, sorrindo de maneira terna.

Um som ensurdecedor e forte percorre-lhe os ouvidos. Mais do que nunca, a dor na cabeça é forte e latejante. Sem forças, cai para a frente.

Não sabe quem é agora.

Vê, lá no alto, o seu raptor diante do seu corpo, com uma arma na mão e um ar enojado a olhar para ela.

Não sabe o que a espera daí em diante.

Só sabe que foi o fim da sua Vida e que foi ela própria que a arruinou.

1 restauros:

Joana França disse...

Adorei, está espectacular. Fez-me pensar. Faz uma pessoa pensar nas consequências dos teus actos.
Marcou asério.
adoro a leanora campbell :D